A Coca-Cola e os arquitetos

A Coca-Cola e os arquitetos - por Jean Tosetto

O refrigerante mais popular do mundo ganhou os mercados internacionais no mesmo período em que o ofício da Arquitetura tornou-se acessível às classes trabalhadoras. Agora a Coca-Cola busca a customização de seu produto, tal como os arquitetos sempre fizeram.

Por Jean Tosetto *

Uma boa reflexão pode surgir até mesmo numa provincial ida ao supermercado. Tenho uma filha que se chama Carolina e por vezes acompanho minha esposa nas compras justamente para cuidar da menina, que por enquanto vai sentada no carrinho. Recentemente a Renata, minha mulher, parou diante da gôndola dos refrigerantes por mais tempo do que o habitual. Ela estava procurando por nossos nomes nas latinhas de Coca-Cola. O que antes levaria apenas alguns segundos – pegar algumas latinhas de Coca-Cola, Pepsi, ou Guaraná Antártica – já estava demorando alguns entediantes minutos, recompensados pela satisfação da Renata: ela não encontrou seu nome, mas o da Carolina.

A Coca-Cola é uma empresa reconhecida mundialmente. Seu refrigerante está presente em quase todos os países, exceto nas poucas repúblicas comunistas remanescentes, e em nações dirigidas por radicalistas em conflito com a cultura ocidental. Os números da multinacional de origem americana são contados na casa dos milhões. Milhões de latinhas, milhões de garrafas, milhões de dólares. E com todo esse faturamento ela se propôs o desafio de gravar o nome das pessoas em suas embalagens, indo contra o senso comum de padronização dos produtos para redução dos custos de fabricação.

Uma coisa é produzir dez mil latinhas idênticas por hora. Outra é fazer 300, talvez 400 unidades com um nome específico. Multiplique isso pela grande variação de nomes já disponível nas prateleiras e imagine os aumentos de custos que a Coca-Cola teve com esta operação, fora a complexidade da logística implicada nesta ação de Marketing.

A Coca-Cola, se pudesse, faria uma latinha com nome e sobrenome de cada pessoa, e ainda entregaria essa latinha na loja mais próxima de seu consumidor alvo, e mais: com um sabor específico. Embora faça um produto de massa – provavelmente o mais consumido em escala global – a Coca-Cola percebeu que as pessoas valorizam suas individualidades e não aceitam mais participar da grande boiada, como se fossem apenas um número contabilizado num balanço macroeconômico.

Em suma, a Coca-Cola quer fazer o que os arquitetos da Era Moderna sempre fizeram: um produto absolutamente customizado, pois a customização gera a fidelidade do cliente. O produto do arquiteto é a sua prestação de serviços, que engloba um conjunto de informações e conhecimentos específicos, cuja materialização se dá em forma de maquetes, planilhas quantitativas, memoriais descritivos, projetos. Você já viu um projeto de Arquitetura? Ele contém o endereço da obra, o nome completo do contratante e a assinatura do autor do mesmo. Se existe algo mais customizado, me conte.

Curiosamente, existem pessoas que passam um tempo considerável diante de uma prateleira de supermercado, procurando por seus nomes numa latinha de Coca-Cola, mas que na hora de construir, pesquisam projetos de graça – ou muito baratos – na Internet. Alguns sites vendem o mesmo projeto para centenas de pessoas, pouco se importando como tais projetos irão se encaixar no terreno de cada um. Gente assim se contenta com aqueles sucos de pó solúvel, quando poderia sorver uma taça de champanhe ao custo de um ótimo espumante nacional.

Por outro lado, existem arquitetos e engenheiros que apresentam os mesmos projetos básicos para vários clientes, como se estivessem vendendo uma camisa polo no Shopping Center. Estes profissionais estão desperdiçando o grandioso conceito para o qual a Coca-Cola está investindo uma fortuna para atingir: a customização para fidelização do consumidor, no caso, o contratante.

Sempre afirmo que cada projeto é uma história que deve começar do zero, contada não apenas pelo arquiteto, mas também pelas pessoas e entidades que o contratam. Cada lote tem a sua peculiaridade e cada família - ou fábrica, ou loja, ou comunidade religiosa – tem os seus anseios. Atender os anseios, respeitando as características e os limites de investimento de cada caso, é uma obrigação do arquiteto, antes de ser um diferencial deste.

Logicamente um arquiteto dificilmente irá projetar milhares de obras em vários países do mundo. Seu faturamento anual provavelmente não atingirá a casa dos milhões de dólares ou reais, a não ser que ele mesmo seja um incorporador de empreendimentos ou associado a um deles – neste caso será um grande desafio projetar apartamentos customizados, por exemplo. Mas o que parece uma limitação de seu ofício é, na verdade, seu grande trunfo: trabalhar de modo individualizado. Poucas coisas são intelectualmente mais estimulantes do que isso.

Sobre o autor

* Jean Tosetto é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.


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2 comentários:

  1. Boa tarde Jean.
    Bom, me chamo Rafaela tenho 23 anos terminei meu ensino médio, fiz um curso técnico de ADM ( no qual nao gostei muito), e estou aqui para te pedir uma orientação. Bom sem fui meio indecisa em qual profissao escolher. Fiz até uns testes vocacionais pra ver em qual profissao me encaixo, e inumeras vezes aparece arquitetura e urbanismo. Creio que essa materia tem haver comigo, porem nao tenho tanta ideia do que é ser um arquiteto. Um amigo meu me disse que isso é profissão pra pessoas ricas e que eles tem bastante conhecimento. Que é uma profissão dificil de conseguir trabalho senao tiver conhecimento. Queria que me tirasse algumas duvidas se esse é um curso bom, se sou adequada pra ele. Confesso que estou com muitas duvidas.

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    1. Prezada Rafaela, os arquitetos são prestadores de serviços que trabalham com orçamentos consideráveis. Mesmo uma família de classe média que vai construir uma casa pequena, o fará com a economia de muitos anos ou mesmo recorrendo a um financiamento bancário.
      Como arquitetos não podem brincar com o dinheiro dos outros (e seus muitos anos de trabalho para bancar o sonho de construir) é necessário, sim, que estes profissionais tenham domínio de várias áreas do conhecimento, que você inclusive deve ter estudado em seu curso técnico de Administração.
      Talvez a parte mais difícil para um arquiteto seja se relacionar bem com os clientes em potencial, e isso infelizmente nenhuma faculdade consegue ensinar a contento: depende de cada um.
      Se você sente que tem vocação para ajudar os outros, talvez Arquitetura e Urbanismo seja o curso ideal para você, mas só você saberá afirmar isso. Boa sorte!

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