O Fusquinha Azul

Olá pessoal!

Muita gente imagina que nasci dirigindo um MP Lafer vermelho, mas nos primórdios eu andava de Fusca mesmo. Resolvi resgatar um pouco daquela época e divido com vocês um episódio marcante, dos meus tempos de faculdade.

Grande abraço,
Jean Tosetto

Fusca no gramadoO besouro no jardim: coadjuvante na foto, estrela nas boas lembranças.

Em nenhum lugar do mundo é agradável tomar três conduções para ir ao trabalho ou estudar, mesmo aos 18 anos de idade - com todo o vigor e desprendimento que isso representa. Quem divide seu dia entre compromissos, transporte coletivo e dormir, sabe muito bem disso.

Portanto, quando meu pai disse que poderia usar o Fusquinha para ir à faculdade, foi um alívio. Aqueles pouco mais de vinte quilômetros de estrada se transformaram em cenário de momentos de curtição, regados com fitas cassete de rock. Tudo bem que não era o carro dos sonhos, mas longe de reclamar: aquele Fusca azul calcinha 1972 gerou muitas histórias.

Uma delas começou quando fui abordado por um produtor de cinema. A equipe dele estava em minha cidade, usando a mata ciliar de uma represa para fazer tomadas externas que simulavam a floresta tropical da Amazônia. Minha descrição se encaixava no perfil que eles estavam procurando: rapaz alto, magro, de olhos claros. Pensei que fosse piada, até me passarem o endereço do escritório deles na praça central.

Marcaram um horário para eu me apresentar, fazer um teste e assinar um termo de compromisso, doando os direitos de som e imagem para o filme "Mário", do diretor Hermano Penna - que as vezes passa de madrugada na TV Cultura. O problema é que meu curso era integral e teria que me ausentar da disciplina mais complicada do semestre, cujo professor era o carrasco do Campus.

Mas esta foi a parte mais fácil: careta que sempre fui, avisei o mestre pessoalmente que não assistiria sua aula. Depois de ouvir o motivo, ele sorriu e ainda me deu um tapinha nas costas, desejando boa sorte - quem presenciou a cena não acreditou. Então fui todo contente pegar o carro no estacionamento.

Girando a chave de contato já ia planejando minha mirabolante entrada no meio artístico, saindo mais cedo da faculdade para não chegar atrasado. Entrei na rodovia que margeia um bairro pobre da região, seguindo direto para o encontro com a glória, de motor cheio em quarta marcha.

De repente o assobio dos quatro cilindros virou reclamação. Parecia que o carro estava soluçando e perdendo o rendimento. Joguei uma terceira para compensar, mas então o Fusquinha começou a chorar. Vem a segunda marcha e com ela o carro já grita... até morrer. Feito um piloto sem sorte, vou parando meu bólido no acostamento, vendo a corrida acabar.

A meteórica carreira cinematográfica se encerrava ali, antes mesmo de queimar o primeiro metro de negativo. Abri a tampa do motor ainda moleque inexperiente, mas já sabendo que tinha que olhar o cabo da bobina: em ordem. Mão coçando a cabeça, sem celular. O jeito era abandonar o carro por hora e pedir carona.

Ao me levantar vejo outro Fusquinha se aproximando, mas em farrapos. Tive um mau presságio. O carro, metade lata metade ferrugem, parou. Ver o motorista descer só aumentou minha preocupação: de chinelos, bermuda desfiada, camiseta cavada e cabelos despenteados. O cara ia me assaltar, só podia!

- Acabou a gasolina amigo?

Queria sumir. Tinha feito péssimo juízo de alguém que não conhecia, o cara veio apenas para ajudar. Ainda por cima ele acertou na mosca. O tanque estava mais seco do que uma pedra lunar. Ele me deu quase um litro de combustível, além de despejar um pouco no carburador para o carro pegar. Completando o serviço, me orientou a chegar no posto mais próximo, para fazer um "splash and go". Dizer obrigado foi muito pouco, pois ele se recusou a receber o dinheiro da gasosa.

Naquele dia aprendi uma lição.

Consegui chegar a tempo de conversar com o pessoal da filmagem. Depois de acertar o cachê - com o qual deu para comprar um CD duplo dos Rolling Stones - perguntei qual seria o meu papel. O balde de água fria atendia pelo nome de "figuração". Tudo bem, tudo era festa. Fui de Fusca azul calcinha no set da produção e isto rendeu novos episódios, assunto para outras ocasiões...

8 comentários:

  1. Jean, maravilhoso texto.
    Eu tambem não "nasci" pilotando um Lafer vermelho, embora alguns acreditem que sim.
    Tive como primeiro carro, um Fusca 65 azul atlantico, que me traz muitas recordações.
    Muito legal a sua história/aventura cinematográfica.
    Valeu mesmo.
    Realmente voce é especial.
    Grande abraço

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    1. Grande Romeu, temos várias coisas em comum: a paixão pelo Palestra, pela Ferrari, pelo MP Lafer e principalmente por nossas mulheres. E nosso primeiro carro foi um Fusca azul. Por isso, quando crescer, quero ser como você. Abraços!

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  2. Grande Jean ,como sempre digo, é muito bom visitar este site pois ler histórias como essa é muito legal. Meu primeiro carro foi uma brasília que não era amarela porém era maravilhosa, depois tive passat, belos carros que só deixaram saudades. Também "não" nasci pilotando lafer, mas adoro guiá-lo, hoje mesmo fui até Aparecida do Norte e foi uma aventura, que vou contar num próximo contato. Parabéns e um grande abraço. GILBERTO MARTINES

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    1. Caro Gilberto, fiz a auto-escola numa Brasília. Que carro gostoso de guiar. Uma pena que não vemos mais tantas por aí. Obrigado por colaborar com seus relatos para o site do MP Lafer. Ainda temos muitas histórias para contar. Abraços!

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  3. Olá JT,

    Muiito bacana! Creio que somente poucos brasileiros não tenham um "purguinha" em sua história.
    A propósito, você tem este filme? Se sim, coloque a memorável cena no site!
    Abração do amigo. Sylvinho

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    1. Caro Zanetti, infelizmente não tenho cópia do filme. Mas ele está claro na memória. Um dia ainda quero guiar seu Fusca cor de vinho. Sei que você também tem várias histórias com ele. Abraços!

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  4. Melhor que ler suas histórias Jean é saber que estávamos juntos. Até hoje tenho boas memórias deste episódio e algumas fotos cedidas por um amigo fotógrafo que trabalhou no filme. Nesta época eramos jovens cheio de sonhos e objetivos, e hoje percebo que todas aquelas experiências ajudaram a formar nosso caráter e a vida adulta. Quanto ao fusquinha as azul calcinha, conta aquela noite que saímos com o Nibinha no centro de Paulínia. RS...
    Abração!

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    1. Caro Rogerio, gostaria de fazer algumas cópias das fotos que você tem da gravação do filme. Não fiquei com nenhuma. Aquele Fusquinha deixou saudades. As vezes sonho que estou dirigindo ele. Concordo com você: nosso caráter e nossa trajetória foram forjados com muita amizade e companheirismo. Grande abraço!

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