Este Opala participou da gravação do filme e de sua estreia. |
Quer fazer algo diferente? Prepare-se para lidar com a indiferença, que é o comportamento reinante entre muitas pessoas que nos cercam. Felizmente existem exceções e, desse modo, aquilo que é inusitado é produzido. O resultado agradará a maioria? Se é esquisito, dificilmente. E daí? É do estranhamento que vem a contestação e dela evoluímos para algo melhor.
- Jean Tosetto
Em 2015 estava num encontro mensal de carros antigos que acontecia no Shopping de Paulínia, quando fui abordado pelo diretor e produtor de cinema independente Flávio Carnielli, que estava procurando proprietários de veículos nacionais da década de 1970. Ele e sua esposa, Helen Quintans, estavam realizando um filme na cidade e precisavam desses automóveis emprestados para gravar várias cenas.
Acabei emprestando meu MP Lafer e eu mesmo (um ex-ator canastrão de teatro amador e ex-figurante de filme cult) para uma sequência atroz do enredo. Além disso, apresentei alguns colegas que também poderiam ceder seus Dodges e Opalas da vida. Como tenho afinidade e um certo magnetismo com gente que anda fora dos trilhos, acabei virando amigo do casal de cineastas.
No começo de 2016, eles fizeram a cobertura fotográfica do lançamento do meu segundo livro, "Arquiteto 1.0", realizado no Ponto 1 Bar de Barão Geraldo, um dos patrocinadores da empreitada de Quintans e Carnielli. Naquele dia, recomendei eles para o Alan Cury, então presidente do núcleo campineiro do IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil - para a produção de um documentário sobre a música erudita e o patrimônio histórico campineiro.
Cinco anos se passaram e finalmente o filme "Fórmula Selvagem" ficou pronto. Esse longa metragem estava parecendo o "Smile", aquele disco secreto dos Beach Boys, anunciado em 1967, mas que só chegou ao público quatro décadas depois, em 2011. No cinema independente é assim: quando você não conta com as benesses do Estado, tem que fazer as coisas na raça, algo que nunca faltou para a Helen e o Flávio.
Recebi o convite para participar do lançamento do filme diretamente deles. A grande noite estava marcada para o dia 28 de agosto de 2021, na Pedreira do Chapadão, onde uma sessão de cinema "drive-in" (limitada a uma centena de automóveis) seria organizada com a apresentação prévia de bandas de rock da região. Nada mais apropriado para uma história que tem nos carros o ponto central do enredo. Além disso, em tempos de Pandemia do Coronavírus, a solução adotada respeitaria o distanciamento social.
Ocasião perfeita para praticar meu esporte favorito: flanar como um fantasma numa festa estranha com gente esquisita. |
O cenário e a época não poderiam ser mais condizentes para o lançamento de um filme tão distópico quando "Fórmula Selvagem". Esqueça a pipoca, pois não se trata de um filme para se divertir, embora o roteiro contenha várias piadas infames, intercaladas com cenas de ação. A obra do casal Quintans & Carnielli é provocativa e incomoda do começo ao fim. É como se fosse uma "Laranja Mecânica" tupiniquim, guardadas as proporções.
A noite foi regada com o heavy metal das bandas Insulto, Djamblê e Cardiac. |
Na fictícia nação da Panamérica, que reúne os antigos países da América Latina, o ditador de plantão ordena que os carros sejam transformados em armas, escolhendo cidadãos a esmo para a participarem de corridas nas quais vencem apenas os sobreviventes, num espetáculo dantesco transmitido ao vivo pela TV, numa estética que lembra a finada Rede Tupi. Paralelamente, uma trupe que parece ter saído da versão bizarra do universo infantil de Monteiro Lobato, caça uma jovem indefesa para roubar a sua vitalidade, feito vampiros da era moderna.
Trata-se de um devaneio que poderá ser recebido com ressalvas pela crítica convencional, mas que remanescerá como obra de arte genuína de dois loucos autênticos, que assim como na canção dos Mutantes, vivem plenamente a vida conforme suas crenças.
"Fórmula Selvagem" tem um começo, vários meios entrecortados, mas nenhum fecho: apenas a indicação de que o ambiente infernal e decadente, no qual a sociedade descrita na história mergulhou, será prolongado indefinidamente - e não é assim que estamos vivendo na realidade?
Ao mesclar atores profissionais com amadores, o longa "Fórmula Selvagem" tem o mérito de fazer cinema independente com uma edição ágil e uma trilha sonora que pode ser considerada seu ponto forte. Se este sonho realizado pela Helen e pelo Flávio será um sucesso? Difícil afirmar. Mas certamente eles podem se orgulhar do feito de congregar tanta gente entusiasmada em torno de um ideal.
Além da embocadura da Pedreira do Chapadão, a cidade de Campinas tenta voltar à normalidade. |
Veja também:
IAB lança site sobre patrimônio arquitetônico de Campinas
Live de lançamento do filme "Fórmula Selvagem":
Vivalendo.com recomenda:
Nenhum comentário:
Postar um comentário