A inclusão social pela mobilidade urbana

O calçadão da Calle Florida em Buenos Aires: a rua mais famosa da Argentina não permite o trânsito de automóveis, em favor dos pedestres.
O calçadão da Calle Florida em Buenos Aires: a rua mais famosa da Argentina não permite o trânsito de automóveis, em favor dos pedestres.

Sinopse da primeira aula (segundo semestre de 2006) do Núcleo de Estudos de Transporte e Mobilidade da Faculdade de Administração Pública - Universidade São Marcos - Campus Paulínia - SP.

Por Jean Tosetto

A ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos – tem se articulado nos últimos anos pela implantação de uma política nacional para a questão da mobilidade urbana. Entende-se por mobilidade urbana a necessidade diária de deslocamentos dos indivíduos das cidades, enquanto pedestres, ciclistas, passageiros, motoristas, e suas mais diversas atividades econômicas e culturais.

Cabe aos organismos públicos buscar constantemente a garantia de acessibilidade a todos os agentes, independentes de renda, idade e sexo, além das limitações permanentes ou provisórias que limitem sua capacidade motora. Para tanto, deve-se levar em conta as características dos terrenos, a criação de linhas regulares de trânsito, a sinalização, a relação entre os meios de transporte e seus equipamentos.

Tal política pública ainda não existe de fato, embora nas últimas décadas tem-se verificado avanços neste sentido. Podemos citar a Constituição Brasileira de 1988, para qual o serviço de transporte público possui caráter essencial - tanto quanto a educação e saúde, assim como o Código de Transito Brasileiro em voga desde 1998, que normatiza e disciplina o uso do sistema viário pelos diversos atores. Leis federais de 2001 também colocam o deficiente físico na pauta das necessidades de acesso.

No Brasil, somos refém de uma instituição informal, que preconiza o automóvel como único modo de transporte viável, embora seja claro que as conseqüências para as cidades são nefastas devido à poluição e o elevado número de acidentes com mortos e feridos. Os congestionamentos, antes restritos a grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, rapidamente estão se alastrando pelas demais cidades, mesmo que de porte menor.

Tais congestionamentos ainda prejudicam o uso de transporte coletivo por ônibus, reduzindo sua eficiência e reforçando e preferência pelo automóvel, devido ao desconforto e atrasos constantes. Isso sem levar em conta que o automóvel se apropria dos sistemas viários e reduz seu caráter de espaço público, uma vez que pedestres e ciclistas não podem utilizá-lo. Passageiros de automóveis ocupam, em média, um espaço 27 vezes maior que o espaço ocupado por passageiros de ônibus.

Estamos passando por transformações nas relações de trabalho e produção de riquezas que certamente serão refletidas nas decisões futuras sobre a questão da mobilidade. Vide o aumento da informalidade, o fim dos empregos tradicionais, a dispersão dos locais de trabalho facilitada pelo advento da Internet. Cada vez mais as pessoas alongam seu tempo de formação e aperfeiçoamento profissional.

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Cabe ao administrador público que for trabalhar com a mobilidade urbana, levar em conta novos paradigmas, como o envelhecimento da população, o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e o crescimento do terceiro setor (o da prestação de serviços) na economia brasileira, que tende nos próximos anos a crescer de modo moderado com pouca mobilidade social. Logísticas baseadas no conceito just-in-time já podem ser notadas pelo aumento do número de motoboys que trabalham com serviços de entrega, por exemplo.

Não há mais como pensar em mobilidade urbana sem valorizar os meios de transportes coletivos, os ciclistas e os pedestres. Paulatinamente devemos tirar o automóvel do pedestal em que se encontra e priorizar a retomada de áreas verdes, equipamentos culturais e melhor uso do solo urbano, como prevê o Estatuto das Cidades (implantado em 2001) através dos Planos de Mobilidade Urbana (Trânsito e Transporte). O espaço urbano e o tempo devem ser considerados bens escassos e não substituíveis.

Para que o Estado possa investir em mobilidade urbana de forma sustentável, além de uma política nacional supra partidária, que evite conflitos entre municípios, estados e federação, é necessário contar com uma fonte regulamentada de recursos financeiros, que possa ter caráter permanente. O primeiro passo foi dado com a criação do Ministério da Cidade, que aglutinou a Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade, o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), o Contran (Conselho Nacional de Trânsito), a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) entre outras.

Estado e iniciativa privada precisam aguçar suas relações para alcançar a otimização do transporte coletivo, onde o Estado atua como regulador e a iniciativa privada responde pela garantia da qualidade dos serviços. E somente com recursos permanentes será possível qualificar a ampliar as alternativas que se julgarem viáveis em cada cidade.

Uma destas fontes poderia ser a CIDE (Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico) atrelada à produção e consumo de automóveis e seus respectivos combustíveis, caso seu objetivo fosse preservado: 25% de seu valor total destinado ao transporte público. Infelizmente tais recursos são parcialmente desviados para outros fins, motivando o MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte para Todos) a se engajar para reverter tal quadro.

Serão várias as vantagens ao se investir de modo intenso no transporte coletivo, a principal delas é o ganho para o meio ambiente e a qualidade de vida nas cidades. Existe um mecanismo apara aferir, também a eficiência na redução de acidentes e melhor uso do espaço viário, denominado Balanço Social, que pode ser publicado uma vez ao ano pelas empresas do setor.

Devemos cogitar também medidas crescentes para disciplinar e restringir o uso do automóvel, favorecendo a circulação de pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo, através de pedágios urbanos e taxação de vagas para estacionamentos em ruas e avenidas, por exemplo. Tais medidas dependem também do condicionamento à educação, como elemento principal de transformação da cidadania.

A seguir: Financiamento para o transporte público

Anterior: Estatuto da cidade - considerações

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