Santo Antônio de Posse - 2016

O casarão construído em 1894 chamou a atenção do arquiteto viajante.
O casarão construído em 1894 chamou a atenção do arquiteto viajante.

A passagem não planejada pela cidade obriga o arquiteto e fotógrafo a estacionar o carro para captar três construções históricas.

Por Jean Tosetto *

A secularização da sociedade brasileira transformou a Sexta-feira Santa e o Domingo de Páscoa num feriadão comum, no qual muitos buscam refúgio na praia ou no campo. Aqueles que ainda praticam algum tipo de fé, no entanto, preferem vivenciar tais dias santos perto da família - alguns sem perder o desejo de viajar no Sábado de Aleluia.

Uma viagem curta para o Circuito da Águas de São Paulo era a pedida ideal para quem vive em Paulínia, perto de Campinas. Vários caminhos levam até Serra Negra, onde se respira o ar fresco da Mantiqueira irradiado pela luz acolhedora do outono. Os mais apressados vão pela estrada de Itapira. Quem deseja comprar porcelanas em Pedreira, segue pelo miolo, cruzando várias cidades. A rota de Morungaba tem curvas sombreadas pelas copas das árvores.

Sem obrigação de repetir trajetórias, tomei o viaduto em Campinas que leva para Jaguariúna. Olhei no relógio de pulso e percebi que por ali demoraria muito para chegar ao destino. Segui para Itapira, mas lembrei que já fiz aquela rota várias vezes. Então vislumbrei a placa de acesso para Santo Antônio de Posse: por ali evitaria algum atraso no centro de Pedreira e chegaria direto em Amparo, uma cidade antes de Serra Negra.

A estradinha idílica cruzou o centro da cidade. Graças ao sinal de trânsito fechado, pude fixar meus olhos num casarão de esquina, em vários tons amarelados que misturavam a poeira do tempo com o pretume da água de chuva, após décadas de lavagem natural das fachadas. Procurei de imediato um lugar para estacionar o carro. A máquina fotográfica estava no porta-luvas.

Deixei o veículo estacionado no pátio de uma casa agrícola abandonada. Logo ela entrou também na minha lista súbita de interesse. Fotografei a edificação de vários ângulos e, ao me aproximar de seu interior, senti um cheiro forte de excrementos de pombos. Uma legião deles habitava o madeiramento da cobertura, com várias telhas de barro rompidas. As aves pareciam encarnar fantasmas do passado, olhando para mim e questionando minha presença no local.

A pouco metros dali vi outra casa, mais modesta, com apenas uma fachada trabalhada. Pelas minhas contas eram construções do fim do século XIX. Já não eram mais obras do tempo da colônia e seus adornos elaborados entregavam a influência trazida pela mão de obra de imigrantes europeus, que vieram ao Brasil substituir o trabalho de escravos. Na época, reinava o ciclo do café na região de Campinas, onde muitas famílias italianas vieram morar.

Finalmente cheguei perto da primeira casa que me chamou a atenção, certamente a mais bela e elaborada daquela rápida estadia por Santo Antônio de Posse. O número de janelas indicava que a família dona do imóvel tinha renda substancial, e que o arquiteto anônimo que esboçou o projeto possuía notável senso de ritmo e harmonia para distribuir os elementos construtivos e decorativos da edificação.

Poderia mergulhar numa pesquisa para levantar dados históricos mais consistentes, mas por ora fico apenas com as impressões colhidas numa passagem não programada pelo local. O Sábado era mesmo de Aleluia e as imagens estão aí para despertar a curiosidade do leitor.

A casa agrícola abandonada no centro da cidade, entregue aos pombos.
A casa agrícola abandonada no centro da cidade, entregue aos pombos.

Nesta construção, as reminiscências de um estilo praticado em Mantova, na Itália.
Nesta construção, as reminiscências de um estilo praticado em Mantova, na Itália.
Fotografar uma bela casa, adornada pela pátina do tempo, é como tomar posse de uma parte dela.
Fotografar uma bela casa, adornada pela pátina do tempo, é como tomar posse de uma parte dela.


* Jean Tosetto é co-autor do livro "Arquiteto 1.0 - Um manual para o profissional recém-formado" - Encomende seu exemplar.

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2 comentários:

  1. Nesse fim de semana tive a oportunidade de ver algumas dessas edificações abandonadas. A primeira impressão foi de encantamento por encontrar uma raridade dessas. . . A segunda foi de tristeza, ao constatar o abandono e o risco disso tudo desaparecer. . . Parabéns pelas fotos!

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    1. Caro Anderson,
      Muitas vezes o valor de alguma coisa só é percebido por quem está observando a situação de fora. O mesmo acontece com a solução de problemas.
      O que é um peso morto para alguns, pode ser a matéria-prima para outros.
      Grato pelo comentário!

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