O Pátio das Reminiscências - 2010

Desenho feito à mão livre, com lapiseira de ponta 0,9mm. Linhas realçadas no processo de digitalização.
Desenho feito à mão livre, com lapiseira de ponta 0,9mm. Linhas realçadas no processo de digitalização.

Desenhar sem se preocupar com a escala, ou estar refém de uma lógica de projeto. Rabiscar sem a pretensão de agradar algum cliente e sequer saber qual será o resultado final da brincadeira. A folha estava em branco e tudo começou com o rodapé de uma passagem, que ganhou um arco romano apoiado em pilastras encerradas numa chave central. Depois vieram as paredes divididas por um vértice. Que tal colocar uma escada? E assim uma história ia se contando a cada vinco sulcado no sulfite.

Imagine um guitarrista tocando sem partitura, procurando encontrar um rife agradável aos ouvidos, mesmo que o som não fosse original - e por isso mesmo soasse familiar. O solado é de difícil execução, assim como o corrimão e as grades de proteção do pavimento superior. Mais uma porta, de menor estatura. Um acesso para um porão? Quem sabe. De repente, um respiro. Mas o que ele faz lá em cima? Ninguém sabe. Vai ver se trata de um sótão.

A terceira porta, também de madeira, no canto do que parece ser um mezanino. Isso está virando um cortiço. Vamos pendurar umas roupas para secar. As paredes envelhecidas começam a perder o reboco. Alguém esqueceu a vassoura do lado de fora. Deixaram os sapatos na soleira. Quem será que mora ali? Pelo menos gostam de plantas. Há um vaso com túias e uma jardineira ao lado de um degrau. Temperos? Ervas? É possível. Improvisaram uma calha para recolher água de chuva. Será que misturaram com o esgoto? Não pode ser.

Vamos preencher os espaços. O que falta? Uma luminária. Que tal? Bacana. Vamos por uma janela no cantinho superior. Agora chega. Não dá para fazer mais nada. O desenho tem que ser terminado. Hora de revestir o chão com pedras irregulares, sombrear algumas superfícies e reforçar alguns contornos. Antes que a guitarra desafine, vamos encerrar a "jam session". Qual é o sentimento? É bom? Passa algo positivo? Que nome vamos dar? O lugar não existe, mas evoca uma nostalgia que é real.

Um pátio. O Pátio das Reminiscências! Vamos embora. Hoje é domingo! Chega de desenhar.

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Residência Marchetti no Fontanário em Paulínia - 2009

Volumes bem definidos recortam a esquina e desenham sombras no gramado.

A primeira versão do projeto não previa o muro na rua lateral, que abriga a fachada mais extensa da casa.

Os objetivos eram claros: uma casa térrea com bastante espaço para uma criança brincar. O terreno foi escolhido pela boa localização, com facilidade para ir ao trabalho e com a tranqüilidade que um apartamento não poderia mais oferecer. Quem tem filhos pequenos sabe muito bem o que isto significa. Além disso a residência deveria ter o telhado aparente e farta área gramada.

Um dos desafios para se projetar uma casa térrea é evitar que a mesma tenha espaços perdidos para a mera circulação interna. A solução foi dividir as peças em dois grupos: de um lado ficaram a suíte do casal e dois dormitórios simples; do outro temos um escritório e um quarto de hóspedes. As salas de estar e jantar foram unificadas e dispostas junto da cozinha, que por sua vez se comunica diretamente com o abrigo para dois carros, que fazem as vezes de uma boa área de lazer.

A rua frontal determina apenas a maior faixa de recuo obrigatório neste projeto.

Os acessos - de serviço, para automóveis e social - se concentram na elevação lateral, privilegiada pela menor largura de recuo imposta pelo código de obras da cidade.

Vista pouco usual na concepção do projeto, mas verificada ao término da construção.

Entre o muro da rua lateral e a cozinha, um canteiro reservado para a horta da casa: o cultivo de temperos, além de ser um hábito saudável para o corpo, é uma terapia mental.

Num terreno de 409m², os 204m² da residência deixam uma valorosa área livre para o quintal: liberdade para andar de pés descalços sobre a grama.

No corredor oposto que dá acesso à suíte do casal, um jardim privativo para alegrar a visão logo de manhã.

Outro desafio para desenhar uma casa térrea num terreno de esquina, é respeitar os códigos de obra - que variam de um loteamento fechado para outro, além das posturas municipais. Os recuos obrigatórios das ruas frontais e laterais restringem consideravelmente a área disponível para construção, o que não pode afetar a boa iluminação e ventilação do imóvel, nos lados opostos.

Felizmente, para toda limitação imposta existe uma solução ou forma de contornar o problema. Por se tratar de um loteamento fechado, foi possível adotar portas de correr em todos os dormitórios, promovendo a integração dos ambientes externos e internos. Os muros que encerram o lote se restringem às divisas com outros lotes e a um trecho da rua lateral, abrindo as fachadas principais para apreciação dos transeuntes.

Por vezes, uma folha em branco para rascunho é a melhor amiga de um arquiteto, que através dela encontra o roteiro para desenvolver seu trabalho.

As janelas de canto oferecem luz em abundância para o escritório residencial, tirando o computador dos dormitórios, que ficam reservados apenas para o merecido descanso.

Dica do arquiteto: as calçadas externas necessitam de atenção na escolha do acabamento. Materiais lisos e escorregadios devem ser evitados. Uma solução simples, econômica e eficaz, é adotar o cimento queimado varrido, que resulta numa superfície antiderrapante que combina com o verde da grama. Não esqueça das juntas de dilatação, em intervalos máximos de 120 centímetros.

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Socorro - 2009

Tempo para falar, tempo para ouvir.

A angústia é recorrente: cada vez mais as pessoas vivem em função de compromissos que as impedem de sentir o sabor da vida. Elas trabalham em três turnos diários e vêem seus filhos crescerem mediante fotos estampadas nas telas de seus telefones celulares. Nos poucos dias de folga a cama parece ser mais convidativa do que a caminhada lá fora. Alguns, encurralados pelo estresse, gritam por socorro.

Socorro - a cidade paulista - pode ser a solução. Encravada na Serra da Mantiqueira e fora da rota para grandes cidades, o tempo parece fluir mais lentamente nesta aprazível localidade. Sua praça central não foge ao seu princípio: é onde o povo se encontra para conversar. Conferências se formam sob as copas frondosas das árvores, livres dos ruídos de automóveis. Não existem ruas laterais e as próprias construções - entre elas a Igreja Matriz - emolduram este grande respiro no tecido urbano.

Em Socorro, usar chapéu não é uma moda que voltou: é um hábito que não foi interrompido. Lá você pode encostar sua bicicleta no poste e sentar num banco de madeira, sem se preocupar com sobras de chiclete deixadas nas frestas. As novidades do dia estão ao pé do ouvido, sem conta no Twitter, sem atualização de status no Facebook. Paga-se a conta bancária e, antes de voltar para casa, há tempo para comentar sobre o futebol. O sol a pino é o sinal. De repente um se levanta e todos vão embora, para almoçar. No dia seguinte, tem mais. E quem precisa de mais?