Lições permanentes para crises passageiras

Se o mundo não pára de girar, o caminhão betoneira gira e o concreto usinado é bombeado nas fundações de mais uma casa.
Se o mundo não pára de girar, o caminhão betoneira gira e o concreto usinado é bombeado nas fundações de mais uma casa.

A Economia, como atividade humana e essencialmente urbana, segue um princípio da natureza, que é a tendência ao equilíbrio. Esquentou demais? Uma hora vai esfriar - e isso é bom.

Por Jean Tosetto *

A marola de 2008 voltou como onda em 2015 e cada vez mais as pessoas falam da crise econômica, que parece ter vindo para ficar no Brasil. No entanto, mesmo um período de baixa nas atividades tem o seu lado bom. Quem estava construindo uma casa há mais de dois anos reclamava da falta de mão-de-obra no mercado e de atendentes no comércio que não tinham tempo de olhar para o cliente, quanto mais atender ele decentemente. Agora o pêndulo da história mudou.

Quem tem condições de construir hoje fará um ótimo negócio. Em primeiro lugar vai tirar o dinheiro das aplicações bancárias conservadoras, que estão perdendo de goleada para a inflação, para desalento de boa parte dos consultores financeiros. O problema de conversar com eles, sem ouvir também os arquitetos e engenheiros, é que tais especialistas raramente recomendam o investimento em imóveis. Segundo eles, quando a economia está aquecida, existem aplicações com retorno maior e mais rápido, ao passo que, em tempos de incertezas, os imóveis tendem a perder liquidez.

A verdade é que, na realidade brasileira, os imóveis sempre serão um porto seguro, quando considerados a longo prazo. Os imóveis são uma ótima forma de proteger o dinheiro contra a inflação que, quando é controlada, cria margens para correção monetária, quase sempre a favor dos proprietários, pois deve-se considerar a localização e uma série de fatores que um bom corretor imobiliário pode elencar.

Em segundo e saboroso lugar: os fornecedores de materiais, que antes não negociavam preços, agora estão fazendo boas ofertas. Se antes as cotações feitas por e-mail eram respondidas com atraso de até alguns dias, agora já tem vendedor telefonando em menos de 15 minutos. Fora que a concorrência na mão-de-obra aumentou consideravelmente, segurando os valores que estavam escalando a montanha. Isto ocorre devido às demissões no setor secundário, desovando na construção civil antigos metalúrgicos, inspetores de qualidade, entre outros.

Já os serralheiros, carpinteiros, eletricistas e encanadores que haviam abandonado os canteiros das obras, por causa dos salários em carteira assinada, também estão retornando ao ambiente autônomo. Se é triste por um lado, há quem se beneficie com isso de outro: são regras de um jogo que nós não criamos, mas devemos considerar. O fato é que a construção civil tem essa generosa capacidade de absorver mão-de-obra pouco qualificada, graças ao empenho de empreiteiros e mestres de obras, dispostos a treinar seus novos serventes.

Enfim, para quem se prepara na época das vacas gordas, até no período de vacas magras colhe o benefício de fazer um bom planejamento financeiro.

Só que os governantes precisam acordar para o mercado das formiguinhas, do qual muitos arquitetos fazem parte. Mais do que grandes projetos, entregues para grandes construtoras, são as obras de pequeno e médio porte que movimentam a economia das cidades do interior. O mesmo se aplica às periferias das capitais.

Grandes construtoras não contratam gente local e não compram pregos no depósito da esquina, mas pequenos investidores sim. Parece tão óbvio, porém a maioria de nossos políticos não enxerga isso. Então, chega de esperar pela ajuda do céu e do governo. O brasileiro precisa despertar seu lado criativo e movimentar o mercado por conta própria.

Se as condições para o financiamento bancário estão mais restritas neste período de turbulências, é preciso ter em mente que isso não vai durar para sempre. Hora de estreitar o relacionamento com seu gerente bancário, antevendo um cenário melhor em poucos meses. Enquanto isso, vale a pena pesquisar  a venda de terrenos e casas usadas com potencial de reforma e ampliação. Se antes os preços pareciam astronômicos, agora eles já estão mais comportados. Novamente: ruim para quem vende - bom para quem compra.

Vai construir? Sábia decisão. Contrate um arquiteto!

Os arquitetos, por sua vez, possuem o desafio de se ajustarem aos novos tempos. Não há mais espaço para extravagâncias e soluções supérfluas. Estamos ingressando numa era onde o racionalismo no projeto será valorizado pelos contratantes. Quem tiver a capacidade de fazer mais com menos, vai se sobressair. Quem não considerar esta nova ordem, já ficou para trás.

As crises existem não para serem temidas, mas para promoverem quebras de paradigmas. Elas são passageiras, mas as lições que se aprendem com elas devem ser permanentes.

Sobre o autor

* Jean Tosetto é arquiteto e urbanista formado pela PUC de Campinas. Desde 1999 realiza projetos residenciais, comerciais, industriais e institucionais. Em 2006 foi professor da efêmera Faculdade de Administração Pública de Paulínia. Publicou o livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” em 2012.

Veja também:


2 comentários:

  1. Muito bom! Lições que não se aprende nos bancos escolares mas sim, com a experiência da prática!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato pela leitura, Lucia Abrão. Canja de galinha e gotas de otimismo não fazem mal a ninguém. Abraços!

      Excluir