Vitrais: cores e luzes atravessando o tempo

Entrevista concedida em 22 de janeiro de 2009 pelo arquiteto Jean Tosetto à Eliane Fernandes e Solange Sisquini, para compor o trabalho de conclusão do curso de arquitetura de interiores na cidade de Vitória, a capital do Espírito Santo.

Você possui alguma formação em vitral? Se tiver cite local e especialização.


- Minha formação teórica é basicamente universitária. Muito do meu conhecimento advém da prática, acompanhando obras e pesquisando por conta - ninguém deixa de ser estudante só por ter se formado.

Como e onde aconteceu o interesse por vitral?

- Admiro os vitrais desde pequeno, mas profissionalmente minha relação com eles é recente. Meu escritório fica em Paulínia, ao lado de Barão Geraldo, onde Ton Geuer é radicado. Na verdade uma cliente solicitou a inclusão de uma peça do artista no projeto e, coincidentemente, fui procurado pela representante comercial dele na mesma semana. A empatia desde então foi imediata.

Obra de arteDetalhe de vitral concebido por Ton Geuer para um parque ao ar livre, com motivos que remetem à sua origem holandesa.

Em sua opinião, qual o conceito de vitral?

- O vitral não é apenas um recurso de decoração. Trata-se de um arte inspiradora e secular. Portanto, sua inserção numa obra deve levar em conta esse fator. Como o vidro trabalha com a passagem de luz, os vitrais interferem diretamente num sentido humano de grande apelo emocional, que é o da visão. Por isso eles são tão atraentes e admirados, quando bem concebidos.

Como você conceitua o vitral na atualidade?

- O vitral é como um piano ou violino, com o qual você pode compor algo erudito. Se você quer fugir dos modismos passageiros, trata-se de um instrumento e tanto. Como os vitrais favorecem a criação de ambientes acolhedores, eles são uma forma eficiente de humanizar os espaços. Considero os vitrais um antídoto contra a frieza e impessoalidade de alguns materiais ditos modernos e industrializados, cada vez mais abundantes nas construções.

Qual a importância do vitral para a arquitetura contemporânea?

- Infelizmente não temos o vitral presente nas grandes obras, pois os investidores preferem materiais de larga escala e fácil reprodução, que são considerados mais baratos e lucrativos, pelo menos na visão deles. Logicamente nas residências e espaços mais intimistas, o vitral sempre terá seu potencial a ser explorado. Os movimentos arquitetônicos atuam de forma pendular, alternando épocas de busca da modernidade com retomadas de conceitos mais tradicionais, onde os vitrais se inserem com mais facilidade.

Existe alguma diferença técnica, entre o vitral do período gótico e o da atualidade?

- As técnicas tradicionais dependem de mão de obra extremamente especializada, que ainda são passadas lentamente, entre iniciados. Embora não tão conceituada, as técnicas atuais tem o seu valor, pois são mais acessíveis. Devemos diferenciar, no entanto, algumas técnicas que equivalem aos "falsos vitrais", quando uma peça de vidro é separada apenas visualmente por arestas em alto relevo, com as partes resultantes pintadas à mão. Neste caso a transparência é fundamental, não só no material mas também no momento da encomenda.

Muro em PaulíniaUm dos painéis que adornam os muros do cemitério de Paulína, instalados no início dos anos 90, retratando a Via Sacra. Seriam vitrais autênticos?

Fibra de vidroObservando o painel de perto, vemos que se trata de material sintético pintado, um recurso usado para obras expostas à intempéries e próximas de tráfego constante.

Onde se aplica o vitral atualmente? Cite as dependências, setores e ambientes internos e externos que possuem vitrais contemporâneos.

- Não existe lei impedindo o uso de vitral em qualquer tipo de ambiente. Obviamente não se usa vitrais em lavanderias e cozinhas, mas eles ficam ótimos em escadas, recepções, mezaninos e salas diversas. Jardins com tratamento paisagístico também ficam excelentes com um painel bem estudado.

Utiliza em seus projetos algum tipo de vitral especifico? Se utilizar, quais setores são instalados, e qual função ou importância para sua instalação. Cite exemplo.

- Quando especifico algum vitral num projeto, logo confio na equipe de Ton Geuer. Arquitetos e designers devem ter em mente que eles fazem parte de um processo. Se fizermos novamente uma comparação com a música, podemos afirmar que somos maestros, que não necessariamente tocam um instrumento, mas conduzem a orquestra.

Nos planejamentos dos projetos, geralmente é o cliente que deseja possuir um vitral em seu estabelecimento ou moradia, ou é o arquiteto ou designer que sugere a aplicação? Descreva alguns exemplos de experiências em projetos reais.

- Meu foco principal está no projeto arquitetônico e quando o cliente me consulta, discutimos o programa básico e as condições do terreno, primordialmente. Tenho um vitral no escritório e se alguém se interessa por ele, então menciono suas possibilidades. Tudo depende do momento e da forma de abordar. Nada deve ser impositivo.

Qual o tipo de cliente que encomenda vitral?

- Aqueles que sabem o quanto o vitral valoriza um ambiente. Tem gente que troca de casa e leva os vitrais consigo. Trata-se de um público relativamente restrito, que em geral também aprecia outros tipos de arte. O desafio dos profissionais de projeto, portanto, é ajudar na popularização dos vitrais. Infelizmente eles ainda são relativamente caros, se comparados com outros materiais que os contratantes elegem como essenciais numa obra.

A escolha da cor e do vidro está relacionada ao tipo de ambiente ou espaço? Se existir cite exemplos.

- A escolha da cor, ou do vidro, não é uma ciência exata e depende basicamente do bom senso. Se a parede estiver voltada para o sul, no caso do Brasil, então não se pode carregar na cor - o que se pode fazer em ambientes voltados para o norte ou sol poente, que recebem luz mais abundante e darão o efeito esperado de forma mais eficaz. A espessura do vidro também é importante e depende do tamanho das peças e exposição à fatores de risco.

Existem temas solicitados para escolha de um vitral na arquitetura atual? Se tiver? Quais os mais solicitados?

- Os temas mais solicitados ainda são os religiosos. Mas temos os arranjos florais em destaque, assim como os desenhos abstratos. A variedade é muito grande e podemos comparar isso como escolher um motivo para tatuagem, que é algo muito particular. Uma vez que se opta pelo uso dos vitrais numa obra, é melhor que seja uma peça personalizada, embora existam opções mais em conta de peças reproduzidas, mesmo que em escala restrita.

O vitral atual possui as mesmas características interpretativas do período gótico? Se possuir cite alguns exemplos.

- Os tempos são outros. Os vitrais eram usados nas catedrais pois os fiéis geralmente eram analfabetos e não entendiam o latim que padres falavam, mas podiam apreciar as imagens e com isso compreender um pouco do Evangelho. Se considerarmos que as catedrais de hoje são os shoppings, então veremos que as logomarcas ocuparam o lugar dos vitrais, desta vez propagando o consumismo. Felizmente ainda não chegamos no ponto de usar logomarcas para enfeitar nossas casas, então o uso dos vitrais permanece, mas por razões diferentes, talvez como um contraponto a esta visão materialista que predomina hoje em dia.

Vitral religiosoAltar da Igreja Luterana de Moema em São Paulo, com vitral elaborado em 1963 por um artesão de Santana.

Quando o arquiteto ou designer elabora o projeto existe algum sistema para a aplicação do vitral? Isto é, escolha das cores, dos tipos de vidro, dos materiais e dos suportes?

- Eu deixo as aberturas em alvenarias ou espaços reservados nas esquadrias, destinados para aplicação dos vitrais, mas não tenho a vaidade de especificar algo que um vitralista pode fazer tão bem. Não existem especialistas em tudo e o legal é saber confiar em cada profissional. Como afirmei antes, somos apenas uma chave na equação. Não que isso diminua nossa responsabilidade.

Quais os cuidados para se instalar um vitral?

- Basicamente, contratar uma equipe de confiabilidade absoluta no mercado. Fuja dos curiosos no assunto. Não recomendo receber uma peça de vitral na obra e pedir para outro profissional fazer a instalação, e que não tenha sido o indicado. Não é uma tarefa para um simples vidraceiro, por mais caprichoso que ele seja.

Existe alguma importância da projeção da luz do vitral quando aplicado no edifício e interiores? Se existir favor descrever quais.

- Em primeiro lugar deve-se garantir a luminosidade necessária para cada tipo de ambiente, para economizar energia com iluminação artificial. O vitral entra como complemento e pessoalmente não indico apenas o vitral como fonte de luz externa. Outro ponto importante, e pouco abordado, é a ventilação natural de um ambiente: nesse caso é de bom tom evitar o uso de vitrais em peças móveis.

O vitral pode transmitir alguma sensação no espaço? Se existir, favor descrever quais e suas influências.

- Isoladamente um componente no espaço não transmite sensações por si só. Tudo depende do conjunto. Obviamente o vitral tem grande apelo e eficiência quando se deseja transmitir paz e tranqüilidade, por exemplo, mas depende dos demais revestimentos, mobiliário (ou quem sabe a sua ausência) e dimensões do ambiente, entre outros fatores. Um vitral não salva um projeto mal resolvido e não deve ser usado como muleta.

Quais os vitralistas que você conhece do Brasil e do exterior? Se tiver um em especial favor citar.

- O Brasil possui excelentes profissionais e muitos deles podem ser considerados grandes artistas. Tenho parceria com o Ton Geuer e conseqüentemente ele é o meu favorito.

vtg.com.brNo site de Ton Geuer há mais informações sobre este nobre tema da arquitetura.

O que tem a dizer para acrescentar do que não foi perguntado?

- Boa sorte para vocês e levem a profissão à sério, pois com certeza valerá a pena.

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