Uma casa epicurista

A casa epicurista: imagem meramente ilustrativa.
A casa epicurista: imagem meramente ilustrativa.

As pessoas constroem casas, entre outras coisas, pois estão em busca da felicidade. Como seria desenvolver um projeto para Epicuro, um filósofo que dedicou sua vida justamente para esta busca?

Epicuro foi um filósofo grego que viveu entre os anos de 341 e 270 antes de Cristo. Sua doutrina era baseada na busca pela felicidade, de modo que, de tempos em tempos, seus ensinamentos são redescobertos por sucessivas gerações de seguidores.

Os estudiosos apontam que o tripé da felicidade, segundo Epicuro, consiste de uma vida bem analisada, da liberdade para fazer as próprias escolhas e do cultivo das sinceras amizades. Os epicuristas pregam que a felicidade pode ser sentida a partir dos prazeres simples da vida, que não devem ser confundidos com os desejos inúteis e artificiais, como a riqueza e glória, embora a independência financeira e política seja fundamental para sustentar a própria liberdade do indivíduo.

Os prazeres positivos seriam aqueles baseados em desejos naturais, ou seja: aqueles necessários para a proteção e a tranquilidade do corpo, incluindo a nutrição saudável e o sono revigorante. Para Epicuro, um sinal claro de tristeza é ter que fazer uma refeição sozinho. Além do mais, dois milênios depois de seu passamento, a humanidade gasta milhões de dólares em remédios contra a insônia, demonstrando que sua filosofia continua necessária.

Um desafio intelectual


Se fôssemos projetar uma casa baseada nos critérios de Epicuro, ela seria bem diferente das residências que vemos nas páginas de revistas e sites sobre Arquitetura, que priorizam aspectos estéticos e modismos que não respondem aos verdadeiros anseios e necessidades vitais dos seres humanos.

Não se pode confundir a receita da felicidade de Epicuro com o hedonismo, doutrina moral igualmente nascida na Grécia Antiga, que ganhou força durante a lenta decadência do Império Romano ao colocar a busca pelo prazer acima de tudo, sob o lema latino "Carpe diem" (curta o momento).

Os prazeres saudáveis que Epicuro defendia não eram extravagantes. Então, uma casa epicurista seria confortável, sem ser luxuosa: um abrigo para o corpo e a alma, livre dos desejos irrealizáveis para a maioria da população.

Um dos espaços mais valorizados da casa epicurista seria a cozinha em conjunto com a sala de jantar, onde o preparo dos alimentos ganharia destaque na rotina da família, retomando o costume das refeições com todos reunidos diante de uma mesa. Portanto, balcões ou bancadas para refeições rápidas e solitárias não fariam parte do programa. Algo me diz que esquentar comida no microondas seria um sacrilégio para Epicuro que, no entanto, não abriria mão de uma boa geladeira.

Epicuro dava grande valor para frutas, verduras e legumes em sua dieta. Um banquete, para ele, poderia ser feito com apenas um pedaço de queijo. Ele não recusava a carne em seus pratos, mas isso não era uma prioridade. Logo, numa casa epicurista, a churrasqueira seria dispensável, mas talvez um fogão a lenha pudesse ser considerado, bem como a varanda em seu entorno. Porém, a varanda só faria sentido se pudesse ser usada diariamente, e não somente em ocasiões especiais.

Sala para conversar


Se Epicuro encomendasse um projeto para um arquiteto, ele não se preocuparia em construir uma casa para chamar a atenção dos outros, mas certamente consideraria seu núcleo familiar e os amigos mais próximos. Razão pela qual a sala de estar seria uma extensão da sala de jantar, não para ver TV, mas para acomodar longas conversas noturnas.

O aparelho de som seria uma invenção maravilhosa para Epicuro e qualquer filósofo de seu tempo, mas a TV e o Home Theater logo seriam tratados com ressalvas, pois são equipamentos que dificultam os momentos de reflexão. Certamente, em função disso, não haveriam tomadas para computadores, carregadores de smartphones e outras televisões nos dormitórios. Estes seriam espaços exclusivos para o repouso dos filhos e para as relações afetivas do casal. Uma prateleira com livros, ao alcance da cabeceira da cama, seria bem vinda.

Os armários não seriam tão grandes: o suficiente para guardar as roupas realmente utilizadas. Os banheiros seguiriam a mesma premissa, com tamanhos suficientes para a correta higiene do corpo. A banheira, caso coubesse no orçamento, seria um objeto para relaxamento do corpo e da mente, nunca um objeto de ostentação.

Jardim indispensável


Embora a piscina possa ser útil para exercícios físicos, ela não faria parte do programa de necessidades básicas. Porém, um jardim, com espaço suficiente para breves caminhadas de pés descalços, logo cedo, seria impositivo. Um canteiro para cultivo de hortaliças e temperos também. O que era trivial na Grécia Antiga pode ser considerado a extravagância dos tempos modernos: áreas livres e permeáveis, a despeito do metro quadrado dos terrenos estar cada vez mais caro.

Se Epicuro pudesse eliminar a lavanderia do projeto, ele faria isso, pois o barulho da máquina de lavar roupas lhe incomodaria. Então, contrariando a lógica atual de fazer a área de serviço ao lado da cozinha, ele pediria este espaço o mais longe possível da casa, numa edícula aos fundos, que por ele seria compartilhada com os vizinhos, pois seu senso de comunidade era notável. Já o depósito para guardar tralhas seria inútil, uma vez que, em nome da simplicidade dos costumes, elas seriam evitadas.

Acredito que Epicuro seria um cliente perspicaz, a ponto de pedir certos aspectos no projeto que não seriam para satisfazer suas necessidades imediatas, mas lhe permitiram a liberdade de escolha de vender a casa futuramente. Por exemplo: guiar um carro seria uma sensação de liberdade que ele gostaria de experimentar. Então, uma vaga na garagem lhe bastaria.

Porém, pensando no futuro e no comportamento das famílias modernas, ele concordaria em construir duas vagas cobertas, embora jamais a terceira. Duvido que Epicuro gostaria de constatar que a garagem para os carros resultaria no maior cômodo de sua casa. Certamente a biblioteca ocuparia esta honra. A garagem da casa de Epicuro acabaria se tornando um atelier, cedido para alguma pessoa inclinada para as artes em seu círculo íntimo.

Vamos concordar que os livros não estão entre as prioridades das pessoas atualmente. No entanto, um pequeno escritório não deixaria Epicuro corado. Sua casa teria uma adega? Talvez, mas para poucas garrafas. A porta social teria quatro metros de altura? Jamais. A casa teria janelas tão grandes que só poderiam ser limpas com o auxílio de uma escada? Nunca.

A felicidade não está na posse das coisas


A casa de Epicuro faria sucesso em fotografias de colunas sociais? Eu duvido. Porém, pensar sobre como seria sua casa, hoje, nos faz lembrar do tempo que a gente perde trabalhando só para comprar coisas que não nos traz felicidade.

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4 comentários:

  1. Sensacional.
    (seria interessante — como exercício mental — imaginar uma casa a ser projetada para cada um dos grandes filósofos gregos)

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    1. Sim, a gente poderia desenvolver este artigo em cada ambiente da casa e isso já se tornaria um livro.
      Imagina descrever as casas dos demais filósofos? Seria uma coleção de livros.
      Quem sabe um dia... Grato!

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  2. Adorei a reflexão! Embora questiono algumas escolhas do filósofo, rs.

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    1. Questionar é um verbo que combina com refletir e filosofar. Grato!

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