A relação dos condomínios e loteamentos fechados com a história e o urbanismo de Paulínia

Rua deserta entre dois loteamentos fechados em Paulínia.
Rua deserta entre dois loteamentos fechados em Paulínia.

Entrevista concedida pelo arquiteto e urbanista Jean Tosetto para Laura Peternela, estudante de jornalismo da PUC de Campinas, a respeito de Paulínia ser considerada uma cidade dormitório. Uma conversa franca sobre urbanismo, planejamento, cultura e história da cidade de Paulínia, na região de Campinas, interior de São Paulo. Confira a transcrição editada do vídeo gravado em 25 de novembro de 2019:

- A grande quantidade de condomínios fechados em Paulínia tem influência direta para que a cidade se torne uma "cidade dormitório"?

O primeiro ponto a deixar claro, é separar o que é o condomínio do que é loteamento fechado. Tirando os edifícios de apartamentos, a maior parte dos condomínios residenciais, na verdade, são loteamentos fechados. Qual é a diferença? É que o condomínio é uma área privativa em 100%, até o arruamento e as praças internas são particulares. Já o loteamento fechado é uma concessão da prefeitura, para controlar acesso.

A diferença para quem mora em condomínio é que a casa do condomínio é uma fração ideal de uma área grande, e no loteamento fechado a pessoa é dona da própria casa e tem a própria matrícula do lote. A rua, teoricamente, é pública. Qualquer pessoa que se apresenta na portaria poderia frequentar o loteamento fechado. Isso não acontece na prática, mas é uma concessão que a prefeitura faz e que, a qualquer momento, ela pode retirar.

Agora, dizer que os condomínios e loteamentos fechados são esteio para a cidade de Paulínia ser uma cidade dormitório, eu não vejo dessa forma. Isso é um reflexo de Paulínia já ser uma cidade dormitório, desde a sua origem. Não é porque tem condomínio e loteamento fechado em Paulínia que Paulínia virou cidade dormitório: é pelo fato de Paulínia ser uma cidade dormitório que o município atraiu esses empreendimentos.

- Você acredita que o número de áreas de lazer e outros estabelecimentos na cidade têm diminuído como consequência do foco na construção de moradias?

Paulínia possui diversas áreas de lazer e áreas de cultura já construídas. Qual é o grande problema? A prefeitura não está fazendo a manutenção desses espaços. A gente pode dividir isso na conta da incompetência ou na conta da corrupção. Infelizmente, nessa parte, não posso opinar, porque é dever do Ministério Público fazer a investigação para dizer se realmente teve corrupção nesses anos todos de abandono.

A verdade é que hoje, em Paulínia, você não tem muitas opções de lazer porque você não tem acesso ao espaço. O antigo zoológico de Paulínia está com acesso vetado. O ginásio de esportes está comprometido e precisa de reforma. O ginásio do João Aranha precisa de reforma. O Parque dos Trabalhadores está vetado para uso da população e as piscinas estão abandonadas. A biblioteca de Paulínia não é frequentada.

Então, esse não é um problema dos loteadores. Esse é um problema de gestão pública que não afeta só os moradores de condomínios e loteamentos fechados, mas toda a população, que deve cobrar a efetiva liberação para uso público. Isso não pode ser colocado na conta dos empreendedores.

O que os empreendedores fazem? Eles querem ter um empreendimento que seja atrativo para quem vai morar. O que chama atenção no loteamento fechado ou no condomínio? Existem regras e as pessoas que vão morar no loteamento fechado aceitam essas regras, e uma fiscaliza o cumprimento em relação ao vizinho.

No loteamento aberto as regras também existem, mas o que acontece no loteamento aberto? Infelizmente não tem fiscalização por parte do poder executivo. Paulínia tem quatro ou cinco fiscais: todos eles cabem num Fiat Uno. Eles são esforçados, só que eles não conseguem cobrir toda a demanda que existe.

Então, você mora no loteamento aberto e o seu vizinho resolve abrir uma lanchonete na garagem de casa. Teoricamente não pode: só pode ser uma residência ali, mas ele vê que não acontece nada e no próximo domingo juntam pessoas para ir na lanchonete. O outro vizinho fica aborrecido, vai na prefeitura e a prefeitura não toma providência. No outro dia, o outro vizinho pensa: “Se ele montou uma lanchonete aqui, eu vou montar uma marcenaria”. Ele começa a fazer barulho. Então, no outro dia, aparece um muro pichado.

As pessoas acabam sendo empurradas para o loteamento fechado. Você passa a portaria dele e existe um ordenamento, que seria a cidade ideal. A cidade é idealizada lá dentro. Esses empreendimentos também tem áreas de lazer privativas, mas é interessante notar: eu como arquiteto, visito os loteamentos e as pessoas acabam não usando essas áreas de lazer privativas. Elas acabam buscando o lazer na própria casa. A gente faz projetos e muitas pessoas pedem a piscina no quintal. Elas valorizam muito a varanda gourmet, que é um espaço que fica ocioso a semana inteira, mas teoricamente no domingo a família vai lá.

Então, mais uma vez, não é uma coisa relacionada com o fato de ter loteamento fechado que inibe as áreas públicas de Paulínia, que já tem várias. As que estão abertas funcionam bem. No Parque Zeca Malavazzi, o que é curioso notar? Você vai passear no domingo e presta atenção nas placas dos automóveis: poucos são de Paulínia. A maior parte é de Sumaré e Hortolândia porque lá, sim, está faltando o equipamento público de lazer. Então a pessoa vem fazer o lazer em Paulínia.

Para você entender o que é uma cidade dormitório: as pessoas vão trabalhar onde? Em Campinas e São Paulo, que são os polos de atração das pessoas. Só que, por alguma razão, elas também não querem morar nesses grandes centros.

- Na sua opinião o número de condomínios tende a aumentar ainda mais?

Essa é uma tendência irreversível, no meu entendimento. Temos que entender que o mercado imobiliário é regido por ciclos econômicos. Existe o ciclo econômico do mercado financeiro também. Esses ciclos são alongados: duram cinco, seis, sete anos.

Na verdade, Paulínia passou por um ciclo de baixa, que coincidiu com a recessão econômica do país. Paulínia teve um grande crescimento nos condomínios entre 2007 e 2013, depois interrompeu um pouco e agora está com indício de retomar. Nos próximos anos deve ter alguns lançamentos e depois vai estacionar um pouco.

O que acontece, também? A gente tem que pensar na origem de Paulínia, que poucas pessoas sabem que era uma região que tinha fazendas de café. Você tinha uma estrada de ferro chamada Funilense. Ela saia de Campinas, a partir da Estação Mogiana, e chegava até a região de Conchal.

Os fazendeiros de café eram muito ricos. Eles financiaram a própria estrada e as estações em cada fazenda deram origem aos distritos e cidades nesse alinhamento. Então, você tem o distrito de Barão Geraldo em Campinas. Barão Geraldo era um fazendeiro de café. Você tem Paulínia, que era a fazenda de José Paulino. João Aranha tinha uma estação de trem, também. Mas onde estão as estações? Elas foram demolidas.

A emancipação de Paulínia, nos anos de 1960, coincidiu com o desligamento dessa estada de ferro. Eles começaram a tirar os trilhos da Avenida José Paulino naquela época. O que fizeram com a estação ferroviária? (Que ali era o ponto central da cidade. O marco zero de Paulínia é a estação de trem.) Eles demoliram e aí fizeram uma pequena estação rodoviária no lugar. O que aconteceu com essa estação rodoviária, depois? Ela foi demolida. Se você vai naquele lugar, hoje, que você vê lá? Um estacionamento improvisado e um ponto de ônibus improvisado, no marco zero de Paulínia. Então, Paulínia nasceu sem identidade cultural.

O primeiro ganho populacional de Paulínia foi com a implantação da refinaria de petróleo. Paulínia virou uma cidade dormitório basicamente de quem construiu e começou a operar a refinaria. Tinha três classes nessa época: a classe dos funcionários que recebiam salários maiores morava em Campinas, a classe média da Replan veio morar em Paulínia e os operários que ganhavam menos foram morar em Cosmópolis.

A Avenida José Paulino é comercial, hoje, mas é uma avenida improvisada para o comércio. Ela era uma avenida residencial que aos poucos foi se tornando uma avenida comercial, sem estrutura de transporte coletivo.

A maioria das cidades que têm identidade cultural, essa identidade é relacionada ao que, basicamente? A uma missão católica. Em quase todas as cidades do interior, o ponto zero delas é a igreja matriz e a praça. Em Paulínia não tem isso, porque a matriz de Paulínia não é no marco zero da cidade. A matriz de Paulínia foi construída depois. A igrejinha junto da origem de Paulínia é a igreja de São Bento e poucas pessoas sabem disso, porque a praça que tem na frente é o canteiro central da avenida onde passava a linha de trem. Porém, você não tem nenhum pé de café para contar a história.

Aí você chega no ponto que os prefeitos mais recentes (os megalomaníacos, vamos falar assim) fizeram um teatro majestoso em Paulínia. E olha que engraçado: o teatro de Paulínia dá as costas para a maior parte da cidade. Ele foi feito numa avenida onde é mais fácil você morar no Alphaville (em Campinas) e chegar no teatro de Paulínia, do que você morar no Marieta Dian (em Paulínia) em chegar no teatro de Paulínia. Então, a identidade cultural de Paulínia também se perdeu, mesmo com esse projeto majestoso. Para reverter isso é um processo de longo prazo.


A fachada do Theatro Municipal de Paulínia é voltada para a sede da Prefeitura. Ambas as edificações estão numa avenida de fácil acesso para outras cidades, como Campinas, Sumaré e Hortolândia.
A fachada do Theatro Municipal de Paulínia é voltada para a sede da Prefeitura. Ambas as edificações estão numa avenida de fácil acesso para outras cidades, como Campinas, Sumaré e Hortolândia.

- Como esse número (de empreendimentos) pode afetar pessoas que não tem condições de morar em condomínios fechados? Pode levar a marginalização de uma parte da cidade?

O reflexo de você ter vários loteamentos fechados e condomínios, todos eles murados ou cercados (você tem até dois loteamentos fechados onde um é vizinho do outro e a rua central é deserta, porque são duas fortalezas), é uma discrepância social, com certeza.

Mas esse fenômeno não pode ser visto isoladamente, em Paulínia. Tem que puxar na região de Campinas para compreender o contexto. Se você observar os bairros centrais de Campinas, como Botafogo e Guanabara, eles foram muito povoados nos anos de 1970 e as pessoas foram deixando essas áreas centrais, primeiro para morar nos loteamentos fechados de Campinas e depois que estes ficaram preenchidos, foram para Valinhos e Vinhedo. E elas acabam vindo para Paulínia. Se você passar de carro, hoje, no Guanabara e no Botafogo, você verá muitas casas vazias, muitas casas para vender, muitas casas para alugar e algumas casas virando comércios ou clínicas.

O que aconteceu? Campinas não tem a arrecadação que tem em Paulínia. Campinas não tem uma refinaria de petróleo. O que eles fizeram nos últimos anos? Aumentaram muito o IPTU. Isso foi expulsando a classe média de Campinas para outras cidades e Paulínia recebeu muita gente de Campinas neste processo.

Quem não pode ir morar no loteamento fechado, acaba se sujeitando a morar na periferia de Paulínia, nos loteamentos abertos. O que acontece muito em Paulínia? Num lote que só pode construir uma casa, por lei, as pessoas acabam construindo duas casas, às vezes três casas. Mas existem cortiços com quatro casas num lote e as famílias vão se aglomerando nessas regiões. E como não tem aquela infraestrutura planejada, isso é propício para a marginalização, primeiro do ambiente urbano e depois do comportamento das pessoas.

Aí você tem dificuldade de fiscalizar e a polícia tem dificuldade para fazer o policiamento. Não é por acaso que, nos bairros mais afastados de Paulínia, os índices de criminalidade estão aumentando. E não só na periferia, pois eles acabam indo para o centro, também. É uma questão complexa.

- De que maneira a quantidade de condomínios pode afetar o comércio local?

O que acontece com quem mora em condomínio ou loteamento fechado? São pessoas que dispõem de carro. O carro é visto, hoje, como vilão da sociedade – eu não vejo assim. Mas muitas pessoas que tem carro podem escolher onde vão consumir. E aí acontece outra coisa: a concorrência do Shopping Center com o comércio de rua.

Você vai num Shopping Center, é tudo organizado: tem estacionamento, tem uma pseudo segurança, tem um clima controlado pelo ar condicionado e as lojas que respeitam o gabarito. E no comércio de rua, seja em Campinas, seja em Paulínia, você tem dificuldade para estacionar carro, você tem sol e chuva interferindo no deslocamento dos pedestres, você não tem uma estrutura de transporte coletivo que facilite. Você tem um improviso na cidade: a cidade não é planejada, a cidade é improvisada.

Então, isso colabora para as pessoas procurarem por Shoppings de Campinas, principalmente, mas também em outras cidades da região.

- Existe a possibilidade de Paulínia não se tornar uma cidade dormitório? Quais medidas ou projetos urbanos poderiam ser implantados para que isso não ocorra?

A gente tem que, nesse sentido, resgatar a história do Império Romano. Qual era o ditado, antigamente? “Todos os caminhos levam à Roma”. Por que Roma construiu um Império? Porque ela fazia trocas comerciais frequentes.

Então, qual é o problema de Paulínia? Paulínia tem as grandes indústrias, como a refinaria e a Rhodia. A Rhodia também tinha uma vila de moradores própria, depois ela desligou essa vila. Mas você tem que fortalecer o comércio de Paulínia e estruturar novos vetores de crescimento.

Retomando, qual é o grande problema de Paulínia? É uma cidade cortada pelo o Rio Atibaia. Isso, por si só, não é um problema. O problema é que só tem uma ponte integrando o centro de Paulínia com a região do João Aranha, e esse vetor, que já está completamente preenchido, está improvisado e congestionado.

Você precisaria ter mais duas pontes ligando o centro de Paulínia com região do João Aranha, e a partir dessas duas pontes – não só para carros, mas prevendo o transporte coletivo, como trem e metrô – você estruturaria dois eixos novos com planejamento para a instalação de comércios e mesmo indústrias. Dessa forma você conseguiria segurar a população na cidade e atrair a população para consumir dentro do próprio município.

O segundo ponto é que Paulínia precisa melhorar a integração com as cidades vizinhas, porque isso também é benéfico para todas as cidades. Se você olhar hoje, Paulínia tem uma ligação muito boa com Campinas e uma ligação boa com Sumaré. Mas em Americana, que é uma cidade importante e vizinha de Paulínia, você tem uma estrada vicinal precária para chegar lá, praticamente intransitável.

O outro absurdo: você tem Paulínia fazendo divisa com Jaguariúna, na ponta do Circuito das Águas, que é uma região turística importante de São Paulo. E os rios que passam no Circuito das Águas se encontram onde? Na divisa de Paulínia com Cosmópolis, na Fazenda do Funil – eles formam o Rio Piracicaba. E você não vê Paulínia explorando esse lado turístico.

O que falta entre Paulínia e Jaguariúna? Uma estrada asfaltada. Essa estrada já existe: é uma estrada de terra e há muitos anos a prefeitura colocou um portão nela, para bloquear o tráfego de automóveis. Então, você teria uma ligação de Paulínia com Jaguariúna, sem pedágio, na ponta do Circuito das Águas. Olha o fluxo de pessoas que iria favorecer um novo vetor de crescimento na cidade...

Então, Paulínia tem que olhar para a própria cidade e tem que olhar para as cidades vizinhas. Você precisa de políticos com essa visão de planejamento. Infelizmente, isso falta na nossa cidade: as pessoas têm um foco distinto quando elas querem se eleger como prefeito ou vereadores, elas querem resolver demandas pessoais, na maioria das vezes. Elas não pensam na cidade como um todo e não pensam no longo prazo.

Paulínia não tem uma elite intelectual pensante. Paulínia tem alguns radicais livres que não atuam em conjunto para influenciar nesse processo, infelizmente.



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