Não leve o amigo da onça para visitar sua obra

Cuidado com a onça palpiteira! *
Cuidado com a onça palpiteira! *

Sabe aquele cara que parece ser seu camarada, mas só te coloca em roubada? Nem pensar em levar gente como ele para ver a construção da sua casa. Na verdade, quanto menos pessoas souberem que você está construindo, melhor para você. O texto a seguir é uma transcrição adaptada de um vídeo do autor no YouTube, com o mesmo título.

Por Jean Tosetto **

Hoje tratarei sobre aquele amigo da onça, que todo mundo tem, que oficialmente é nosso amigo, mas que volta e meia nos coloca naquela roubada, certo? Se você tem um amigo da onça, esteja certo do seguinte: não leve ele para visitar a construção da sua casa, porque seria uma péssima ideia.

Você está todo contente, acabou de aprovar o projeto na prefeitura, pegou o alvará para construir, já contratou o empreiteiro ou o pedreiro para começar sua obra e ela finalmente sai do chão. Você começa a ver as paredes desenhando o futuro da sua casa. São coisas boas que acontecem na sua vida. 

Construir é estimulante no começo. É natural que a gente tenha vontade de convidar algum amigo para visitar a obra, para receber uma opinião sobre andamento dos serviços. Isso tem um lado bom e um lado ruim. Se a pessoa for realmente sua amiga e tiver boa vontade, ela vai querer o seu bem e fazer os comentários, mesmo que seja leiga, para te ajudar. Mas, às vezes, a pessoa comentará coisas que só colocarão minhocas na sua cabeça.

Já lidei com essa situação desenvolvendo projetos para meus clientes. Esse tipo de colega chega na sua obra e já viu que você levantou as paredes do seu dormitório. Ele fala o seguinte:

- Olha, você não acha que esse quarto é um pouco pequeno? Eu faria a suíte maior, com o closet na outra posição. Colocaria a banheiro aqui...

E daqui a pouco o sujeito está refazendo o projeto da sua casa. Essas pessoas falam muitas coisas e se você não tiver uma personalidade forte, é capaz que você acolha alguns desses conselhos. Então, provavelmente será uma péssima decisão: alterar a obra durante o processo construtivo. 

Esse tipo de mudança fica muito caro. Você quebra parede, refaz parede e com isso perde o benefício do projeto, porque passa a ser uma construção de palpites e não a construção baseada num projeto. Daí, a chance de você ficar insatisfeito com o resultado é muito grande.

Quando você muda o projeto de uma obra, não pode mais reclamar com o arquiteto. E se reclamar com aquele amigo que deu palpite, será uma situação muito constrangedora para todas as partes: para a própria pessoa que deu o palpite, para você que aceitou e para o arquiteto, pois ele pode interpretar que ocorreu uma quebra de confiança.

Como evitar isso? 


Em primeiro lugar, não tenha pressa para definir o projeto da sua casa. O papel aceita várias mudanças. Então, enquanto o projeto está em fase de estudos, desenvolva as propostas até chegar no ponto em que você sente certeza que aquela evolução será o caminho ideal para sua casa. Divida essa tarefa com seu cônjuge.

É muito importante que as três pessoas principais de um projeto de uma casa, que é o casal de contratantes mais o arquiteto, integrem um grande elo de confiança, sem pressa para desenvolver o projeto. Assim, quando ele ficar pronto, as pessoas devem fazer um acordo de não mudá-lo durante a obra, independentemente dos palpites que podem acontecer por parte de pedreiros, eletricistas, encanadores, entre outros. 

Por vezes, o fornecedor de material também dá palpite na obra, porque ele quer vender mais material. Por exemplo, ele pede para aumentar a quantidade de revestimento em determinada parede, que o projeto especificou que teria um acabamento de meia barra. Esse tipo de situação vai gerando dúvidas que acumulam na sua cabeça, minando o clima da obra. 

Então, faça o projeto sem pressa e permita a evolução dos estudos conforme o tempo pedir. Às vezes o arquiteto não quer elaborar tantos rascunhos, então pague para ele insistir, porque sairá mais barato do que você fazer um quebra-quebra durante a obra. 

O segundo ponto é um conselho de amigo – que não é amigo da onça. E nem é um conselho de arquiteto restrito ao projeto da casa, pois serve para qualquer tipo de projeto na sua vida: você quer escrever um livro? Implementar uma melhoria no sistema de qualidade da sua empresa? Fazer uma pós-graduação? Se você tem um projeto bom, que vai te fazer feliz, tome muito cuidado ao contar isso para os outros. De preferência, conte para o mínimo possível de pessoas. Será melhor.

Não há estatística científica para tanto, mas se você revelar um projeto para dez pessoas, três torcerão por você, quatro pessoas ficarão indiferentes e três torcerão contra. Essa é a natureza humana. Logo, se você perceber que apenas 30% das pessoas torcerá para você, para que contar seus planos para todos, se haverá 70% de indiferença ou torcida contra? Então, fique quieto e leve seus planos adiante. 

Logicamente, sua esposa ou marido saberão disso, assim como seus filhos e, de repente, seus pais. Ótimo! Mas não espalhe isso, porque é melhor você surpreender as pessoas quando tudo estiver concluído. 

Toda vez que antecipei um projeto em andamento, não necessariamente de construção, percebi que algumas pessoas olharam torto para mim. No entanto, se a pessoa participa efetivamente do seu projeto, você tem que compartilhar todas as informações com ela, que deve efetivamente trabalhar com você para realizar esse intento. 

Confiança não se dá de graça por aí.


Sobre essa conversa franca, são pouquíssimas pessoas que tocam nesse assunto - tenho certeza disso. Geralmente o povo gosta de fazer oba-oba com construção. Porém, reforço: conte que você está construindo sua casa para pouquíssimas pessoas, de modo que quando ela estiver concluída – e as pessoas descobrirão isso naturalmente  – não adiantará mais dar palpites sobre o que você poderia ter feito, pois arquiteto de obra pronta tem aos montes por aí. Difícil é projetar do zero, com o terreno no mato e o papel em branco.

Confie em quem desenvolverá o projeto da sua residência, seja ele ou ela profissional de arquitetura ou engenharia. Se você não sentir confiança ainda na fase de estudos, troque de escritório, porque você conviverá com essa pessoa por um bom tempo.

O projeto de uma casa é muito importante. Custa caro construir e todo mundo sabe disso. Portanto, foque em coisas boas, deixe o amigo da onça de lado e, depois que a casa estiver pronta, se esse "amigo" te visitar e jogar aquele olho gordo, não o convide mais para voltar. 

Eu não acreditava nessas coisas, era muito cético. Mas descobri, na pele, que esse tipo de coisa é uma espécie de energia. E você precisa de energia positiva perto de você, não de energia negativa. O lado bom de envelhecer é que você já levou umas cacetadas da vida. Então, você propõe os conselhos não pelo lado da teoria, mas pelo lado da prática. Um grande abraço e até a próxima!

* Atribuição de autoria da imagem: MarcusObal conforme regulada nos termos da licença Creative Commons - Atribuição - Compartilha Igual 3.0 Não Adaptada, 2.5 Genérica, 2.0 Genérica e 1.0 Genérica. Link de origem: 

** Jean Tosetto (1976) é arquiteto e urbanista graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo. Tem escritório próprio desde 1999. O autor e editor de livros publicou sua primeira obra de forma independente, em 2012. É adepto do Value Investing, tendo iniciado suas colaborações com a Suno Research em janeiro de 2017. Desde então, vem desenvolvendo projetos arquitetônicos e literários.

Confira o vídeo de origem:


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